A Lei nº 11.101/2005, comumente referida como Lei de Recuperação de Empresas e Falências (LREF), que rege a recuperação de empresas e a falência no Brasil, estrutura o processo de reestruturação empresarial em fases distintas, mas interligadas, que se complementam para garantir a transparência, a justiça e a eficácia do procedimento. Dentre elas, destacam-se as etapas administrativa e judicial, cada qual com suas particularidades e relevância para o desfecho da recuperação.
A etapa administrativa: organização e consolidação dos créditos
A fase administrativa, delineada principalmente no artigo 7º da LREF, é um momento muito importante para a organização e a consolidação precisa da lista de credores da empresa em recuperação judicial. Sua correta condução é vital para a transparência e a equidade do processo.
Prazo para habilitação e divergência de créditos: com a publicação do edital de aviso aos credores, seja aquele previsto no artigo 52, § 1º, ou o do artigo 99, § 1º, da LREF (em caso de falência), inicia-se um período de 15 dias. Durante esse lapso temporal, os credores têm a prerrogativa de:
- Habilitar seus créditos: apresentar formalmente ao administrador judicial os valores que lhes são devidos, caso não constem na lista inicial do devedor ou estejam com informações incorretas.
- Apresentar divergências: manifestar discordância em relação aos créditos já listados pelo devedor, seja quanto ao valor, à natureza, à classificação ou a qualquer outro aspecto. Esta etapa é fundamental para que todos os credores tenham a oportunidade de ter seus direitos reconhecidos e devidamente registrados no processo.
Publicação da relação de credores pelo administrador judicial: após o término do prazo de 15 dias para habilitações e divergências, o administrador judicial assume a responsabilidade de consolidar todas as informações recebidas. Com base nos dados fornecidos pelo devedor e nas manifestações dos credores (conforme o caput e o § 1º do artigo 7º da LREF), ele deverá, em um prazo máximo de 45 dias, publicar uma relação de credores atualizada. Esta publicação não apenas lista os créditos, mas também deve indicar o local, o horário e o período em que as pessoas relacionadas no artigo 8º da LREF (como o devedor, o Comitê de Credores, qualquer credor, o Ministério Público) podem ter acesso aos documentos que serviram de base para a composição dessa lista. Isso garante a fiscalização e a verificação da correção dos dados.
Critérios essenciais para a habilitação de crédito (artigo 9º da LREF): Para que uma habilitação de crédito seja considerada válida e eficaz, o artigo 9º da LREF estabelece elementos essenciais que devem ser observados, sob pena de indeferimento ou de atraso no reconhecimento do crédito. São eles:
- Identificação completa do credor: o nome completo ou a razão social do credor, acompanhado de um endereço atualizado e completo para o recebimento de notificações e comunicações referentes ao processo. A precisão desses dados é importante para evitar falhas na comunicação processual.
- Detalhamento preciso do crédito: o valor total do crédito deve ser especificado e atualizado até a data do pedido de recuperação judicial ou da decretação da falência. É imprescindível que haja uma discriminação clara de todos os encargos que compõem o montante (como juros, multas e correção monetária). Além disso, a origem do crédito (por exemplo, contrato de compra e venda, prestação de serviços, vínculo trabalhista) e sua classificação legal devem ser indicadas de forma inequívoca.
- Documentação comprobatória e provas adicionais: devem ser anexados todos os documentos que comprovem a existência e a titularidade do crédito. Caso esses documentos já estejam juntados em outro processo judicial, é possível emprestar a prova. Adicionalmente, o credor deve indicar outras provas que possam ser produzidas em momento oportuno, como testemunhas ou perícias, para reforçar sua pretensão.
- Especificação de garantias: se o crédito possuir alguma garantia fornecida pelo devedor, esta deve ser detalhada, incluindo o instrumento que a constituiu (por exemplo, hipoteca, penhor, fiança). Se o credor já estiver na posse do objeto da garantia, este também deve ser especificado.
Importância da fase administrativa: esta fase desempenha um papel crítico na organização e na consolidação precisa da lista de credores da empresa em processo de recuperação judicial. A precisão e a transparência na gestão desta etapa são importantes para o sucesso do processo geral, assegurando que todos os credores tenham a oportunidade de participar e que seus créditos sejam tratados de forma justa e conforme a legislação. A participação ativa dos credores, aliada à diligência do administrador judicial, é essencial para garantir que a próxima fase do processo se desenrole de forma eficiente, contribuindo significativamente para uma recuperação judicial mais eficaz e bem-sucedida.
A etapa judicial: impugnação e resolução de conflitos sobre créditos
Após a consolidação da lista de credores pelo administrador judicial, o processo avança para a fase judicial, onde eventuais contestações sobre os créditos são dirimidas sob a supervisão do juiz. Esta etapa é importante para a validação final do passivo da empresa.
Impugnação de créditos (artigo 8º da LREF): dentro de um período de 10 dias, contados a partir da publicação da relação de credores pelo administrador judicial (mencionada no artigo 7º, § 2º, da LREF), diversas partes interessadas têm o direito de apresentar uma impugnação diretamente ao juiz. A impugnação tem como finalidade questionar a lista de credores, podendo apontar a ausência de inclusão de créditos legítimos, ou desafiar a legitimidade, o valor, a natureza ou a classificação de qualquer crédito já constante na relação. Essa prerrogativa é concedida a:
- Qualquer credor individualmente;
- O Comitê de Credores;
- O próprio devedor;
- Seus sócios;
- O Ministério Público.
Rito processual da impugnação: a contestação de créditos segue um rito processual específico, conforme os artigos 13 a 15 da LREF. Este rito prevê a oportunidade para as partes envolvidas apresentarem suas manifestações, produzirem provas e exercerem o contraditório, garantindo um julgamento justo e fundamentado. Detalhamos os artigos 13 a 15 da referida lei abaixo.
1) Artigo 13: a formalização da impugnação de crédito: a contestação a um crédito, conhecida como impugnação, deverá ser apresentada ao magistrado por meio de uma petição formal. Este documento inicial deve ser devidamente instruído com todos os documentos que o impugnante possuir e considerar relevantes para fundamentar sua alegação. Adicionalmente, o impugnante deverá indicar quais provas julga necessárias para a elucidação da controvérsia, seja para comprovar a inexistência, o valor incorreto ou a classificação inadequada de um crédito. Cada impugnação será autuada de forma individualizada, formando um processo apartado, ao qual serão anexados todos os documentos a ela pertinentes. Contudo, para otimizar a tramitação processual e evitar duplicidade de esforços, quando diversas impugnações se referirem ao mesmo crédito, elas serão reunidas e processadas em uma única autuação, garantindo a análise conjunta da questão.
2) Artigo 14: homologação do Quadro Geral de Credores (QGC) na ausência de impugnações: na hipótese de não haver qualquer impugnação apresentada dentro do prazo legal, o juiz procederá à homologação da relação de credores elaborada pelo administrador judicial, conforme o § 2º do Artigo 7º desta Lei. Essa relação será então oficialmente reconhecida como o Quadro Geral de Credores, tornando-se o documento definitivo que consolida o passivo da empresa em recuperação judicial. Tal homologação, contudo, ressalva as disposições específicas do artigo 7º-A da LREF, que trata de ajustes de créditos por parte da Fazenda Pública.
3) Artigo 15: decisões judiciais sobre as impugnações: após o transcurso dos prazos estabelecidos nos artigos 11 e 12 da LREF para manifestações e defesas, os autos referentes às impugnações serão encaminhados ao juiz para deliberação. Neste momento, o magistrado adotará as providências abaixo.
- Inclusão de créditos incontestados: o juiz determinará a imediata inclusão no QGC de todas as habilitações de créditos que não foram objeto de impugnação. Esses créditos serão registrados pelo valor constante na relação de credores referida no § 2º do artigo 7º da LREF, consolidando-os como parte do passivo reconhecido.
- Julgamento de impugnações esclarecidas: o juiz proferirá decisão sobre as impugnações que, a seu critério, já estiverem suficientemente esclarecidas pelas alegações e provas apresentadas pelas partes envolvidas. Ao julgar cada um desses créditos, o magistrado deverá especificar claramente o valor final reconhecido e a classificação atribuída a ele, encerrando a controvérsia pontual.
- Fixação de pontos controvertidos e questões processuais: para as impugnações remanescentes, que demandam maior aprofundamento, o juiz identificará e fixará os aspectos específicos que ainda permanecem controvertidos. Além disso, decidirá quaisquer questões processuais pendentes que possam obstar o prosseguimento da análise do mérito.
- Produção de provas e audiência de instrução: por fim, o juiz determinará a produção das provas adicionais que se mostrarem necessárias para a completa elucidação dos fatos. Se for o caso, designará uma audiência de instrução e julgamento, onde as provas serão produzidas e as partes poderão apresentar seus argumentos finais, visando à formação de seu convencimento para a decisão final sobre o crédito.
Decisão judicial e possibilidade de recurso: após receber e analisar todas as manifestações e provas apresentadas pelas partes envolvidas na impugnação, o juiz proferirá uma decisão sobre a controvérsia. Essa decisão judicial, que define a inclusão, exclusão ou alteração de um crédito na lista, pode ser objeto de recurso. O meio processual cabível para contestar essa decisão é o agravo de instrumento, permitindo que a questão seja reexaminada por uma instância superior, nos termos do artigo 17, da LREF. Ademais, segundo o parágrafo único do referido artigo, ao receber o agravo, o relator tem a faculdade de atribuir efeito suspensivo à decisão que reconhece o crédito ou de ordenar a inclusão ou alteração de seu valor ou classificação no Quadro Geral de Credores, visando ao exercício do direito de voto na Assembleia Geral de Credores (AGC).
Importância da impugnação: este mecanismo de contestação de créditos é de suma importância, pois assegura que o processo de recuperação judicial seja justo, preciso e transparente. Ele permite a correção de possíveis erros, omissões ou inconsistências na relação de credores antes que o plano de recuperação seja submetido à aprovação, evitando futuros litígios e garantindo que o passivo da empresa seja corretamente dimensionado para fins de reestruturação.
Para saber mais acerca do procedimento de recuperação judicial acesse o texto “Resumo do procedimento da recuperação judicial (fases)” e o texto “O pedido de recuperação judicial (como pedir)” disponíveis neste site.
Legislação:
Lei 11.101/2005
– Artigo 7º: “A verificação dos créditos será realizada pelo administrador judicial, com base nos livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor e nos documentos que lhe forem apresentados pelos credores, podendo contar com o auxílio de profissionais ou empresas especializadas.
§ 1º Publicado o edital previsto no art. 52, § 1º , ou no parágrafo único do art. 99 desta Lei, os credores terão o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar ao administrador judicial suas habilitações ou suas divergências quanto aos créditos relacionados.
§ 2º O administrador judicial, com base nas informações e documentos colhidos na forma do caput e do § 1º deste artigo, fará publicar edital contendo a relação de credores no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, contado do fim do prazo do § 1º deste artigo, devendo indicar o local, o horário e o prazo comum em que as pessoas indicadas no art. 8º desta Lei terão acesso aos documentos que fundamentaram a elaboração dessa relação.”.
– Artigo 8: “No prazo de 10 (dez) dias, contado da publicação da relação referida no art. 7º , § 2º , desta Lei, o Comitê, qualquer credor, o devedor ou seus sócios ou o Ministério Público podem apresentar ao juiz impugnação contra a relação de credores, apontando a ausência de qualquer crédito ou manifestando-se contra a legitimidade, importância ou classificação de crédito relacionado.
Parágrafo único. Autuada em separado, a impugnação será processada nos termos dos arts. 13 a 15 desta Lei.”.
– Artigo 9: “A habilitação de crédito realizada pelo credor nos termos do art. 7º , § 1º , desta Lei deverá conter:
I – o nome, o endereço do credor e o endereço em que receberá comunicação de qualquer ato do processo;
II – o valor do crédito, atualizado até a data da decretação da falência ou do pedido de recuperação judicial, sua origem e classificação;
III – os documentos comprobatórios do crédito e a indicação das demais provas a serem produzidas;
IV – a indicação da garantia prestada pelo devedor, se houver, e o respectivo instrumento;
V – a especificação do objeto da garantia que estiver na posse do credor.
Parágrafo único. Os títulos e documentos que legitimam os créditos deverão ser exibidos no original ou por cópias autenticadas se estiverem juntados em outro processo.”.
– Artigo 52, § 1º: “O juiz ordenará a expedição de edital, para publicação no órgão oficial, que conterá:
I – o resumo do pedido do devedor e da decisão que defere o processamento da recuperação judicial;
II – a relação nominal de credores, em que se discrimine o valor atualizado e a classificação de cada crédito;
III – a advertência acerca dos prazos para habilitação dos créditos, na forma do art. 7º , § 1º , desta Lei, e para que os credores apresentem objeção ao plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor nos termos do art. 55 desta Lei.”.
– Artigo 99, § 1º: “O juiz ordenará a publicação de edital eletrônico com a íntegra da decisão que decreta a falência e a relação de credores apresentada pelo falido.”.
– Artigo 13: “A impugnação será dirigida ao juiz por meio de petição, instruída com os documentos que tiver o impugnante, o qual indicará as provas consideradas necessárias.
Parágrafo único. Cada impugnação será autuada em separado, com os documentos a ela relativos, mas terão uma só autuação as diversas impugnações versando sobre o mesmo crédito.”.
– Artigo 14: “Caso não haja impugnações, o juiz homologará, como quadro-geral de credores, a relação dos credores de que trata o § 2º do art. 7º, ressalvado o disposto no art. 7º-A desta Lei.”.
– Artigo 15: “Transcorridos os prazos previstos nos arts. 11 e 12 desta Lei, os autos de impugnação serão conclusos ao juiz, que:
I – determinará a inclusão no quadro-geral de credores das habilitações de créditos não impugnadas, no valor constante da relação referida no § 2º do art. 7º desta Lei;
II – julgará as impugnações que entender suficientemente esclarecidas pelas alegações e provas apresentadas pelas partes, mencionando, de cada crédito, o valor e a classificação;
III – fixará, em cada uma das restantes impugnações, os aspectos controvertidos e decidirá as questões processuais pendentes;
IV – determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se necessário.”.
– Artigo 17: “Da decisão judicial sobre a impugnação caberá agravo.
Parágrafo único. Recebido o agravo, o relator poderá conceder efeito suspensivo à decisão que reconhece o crédito ou determinar a inscrição ou modificação do seu valor ou classificação no quadro-geral de credores, para fins de exercício de direito de voto em assembléia-geral.”.
Fonte:
– Lei nº 11.101/2005: link (acesso em 26/07/2025)
Este texto foi elaborado com o auxílio de inteligência artificial.
Observação: a leitura deste texto não substitui a assessoria jurídica proveniente de um advogado especialista na área.
Atualizações feitas até 26/07/2025.