A conformidade fiscal, longe de ser um mero detalhe, consolidou-se como um elemento crucial para o sucesso da recuperação judicial no Brasil, sendo portanto necessária a apresentação de certidão negativa de débitos tributários (CND) para entrar em recuperação judicial (RJ). Essa importância foi novamente sublinhada pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 17 de outubro de 2023, ao reafirmar a exigibilidade de certidões comprobatórias da regularidade fiscal das empresas em processo de reestruturação. Tal requisito ganhou ainda mais peso e clareza com a edição da Lei nº 14.112/2020, que modificou a Lei 11.101/2005 (LREF), trazendo uma inovação substancial: a ampliação do prazo para parcelamento de débitos tributários para até dez anos. Essa medida legislativa evidencia o esforço em harmonizar o processo de recuperação empresarial com a indispensável observância das obrigações fiscais.
A posição firme do STJ e suas ramificações
A decisão do STJ é clara: a ausência de prova da regularidade fiscal (certidão negativa de débitos, a CND), conforme estipulado pelo artigo 57 da Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação de Empresas e Falências – LREF), resultará na suspensão imediata do processo de recuperação judicial. Essa paralisação persistirá até que a empresa atenda plenamente à exigência legal. As consequências de não se regularizar fiscalmente são severas, podendo levar à retomada de execuções individuais contra a empresa e, inclusive, à apresentação de novos pedidos de falência, sublinhando a gravidade dessa condição.
O cenário que motivou o julgamento
A questão chegou ao crivo do STJ a partir de um caso concreto. Um grupo empresarial teve seu plano de recuperação já aprovado em Assembleia Geral de Credores. Contudo, o juízo de primeira instância condicionou a homologação desse plano e a concessão da recuperação judicial à apresentação, em apenas 30 dias, da certidão negativa de débitos (CND) tributários ou à comprovação de parcelamento de eventuais dívidas fiscais. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve essa determinação, levando o grupo a recorrer à instância superior.
Diante do Superior Tribunal de Justiça, as empresas contestaram a decisão, alegando que o crédito tributário não se submeteria aos efeitos da recuperação judicial. Argumentaram, ademais, que a falta das certidões negativas não deveria obstar a concessão da recuperação, com base nos princípios da preservação da empresa e de sua função social, considerados pilares fundamentais da LREF.
A lógica do STJ: o equilíbrio entre interesses essenciais
O Ministro Relator do recurso, Marco Aurélio Bellizze, destacou que a Lei nº 14.112/2020 foi promulgada com o propósito claro de aperfeiçoar os processos de recuperação e de falência. Seu objetivo foi suprir lacunas e desajustes apontados pela doutrina e pela jurisprudência, que surgiam da aplicação da LREF na prática.
De acordo com o Ministro, a partir da nova legislação — que não só estruturou um cenário mais favorável para o parcelamento fiscal das empresas em recuperação, mas também possibilitou transações relativas a créditos inscritos em dívida ativa — tornou-se evidente a intenção do legislador de conferir concretude à exigência de regularidade fiscal da recuperanda. Bellizze enfatizou que essa exigência, imposta como condição para a concessão da recuperação, representa o mecanismo legalmente previsto para harmonizar os múltiplos objetivos do processo recuperacional, que abrange tanto as dimensões econômicas e sociais, com o inalienável interesse público detido pela Fazenda Pública.
O Ministro ressaltou que, “[…] Justamente porque a concessão da recuperação judicial sinaliza o almejado saneamento, como um todo, de seus débitos, a exigência de regularidade fiscal da empresa constitui pressuposto da decisão judicial que assim a declare.”¹. Ele ainda apontou que a obrigatoriedade de comprovar a regularidade fiscal foi solidificada pela nova redação do artigo 73, inciso V, da Lei nº 11.101/2005, que agora prevê expressamente que o não cumprimento do parcelamento fiscal é uma causa para a convolação da recuperação judicial em falência.
A preservação da empresa e a indispensável regularidade fiscal
Em sua fundamentação, o Ministro Bellizze foi categórico ao afirmar que “Não se afigura mais possível, a pretexto da aplicação dos princípios da função social e da preservação da empresa vinculados no art. 47 da LRF, dispensar a apresentação de certidões
negativas de débitos fiscais (ou de certidões positivas, com efeito de negativas), expressamente exigidas pelo art. 57 do mesmo veículo normativo, sobretudo após a implementação, por lei especial, de um programa legal de parcelamento factível, que se
mostrou indispensável a sua efetividade e ao atendimento a tais princípios.”¹
Assim, o STJ consolidou o entendimento de que a regularidade fiscal não é um detalhe formalístico, mas um requisito basilar. Ele se alinha intrinsecamente aos objetivos da recuperação judicial, assegurando a integridade do sistema e promovendo um necessário equilíbrio entre os interesses privados das empresas e os interesses públicos da coletividade. A decisão reforça que a busca pela reestruturação empresarial deve caminhar pari passu com a estrita conformidade às obrigações tributárias, evitando que a recuperação judicial se converta em um subterfúgio para o descumprimento fiscal.
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Legislação:
Lei 11.101/2005:
– Artigo 47: “A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”
– Artigo 57: “Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembléia-geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.”
– Artigo 73: O juiz decretará a falência durante o processo de recuperação judicial: […] V – por descumprimento dos parcelamentos referidos no art. 68 desta Lei ou da transação prevista no art. 10-C da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002; […]”
Fonte:
– Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005: link (acesso em 09/08/2025)
– 1. Recurso Especial nº 2053240: link (acesso em 09/08/2025)
– Processo de recuperação judicial pode ser suspenso se empresa não comprovar regularidade fiscal: link (acesso em 09/08/2025)
Este texto foi elaborado com o auxílio de inteligência artificial.
Observação: a leitura deste texto não substitui a assessoria jurídica proveniente de um advogado especialista na área.
Atualizações feitas até 09/08/2025.