A constatação prévia é uma ferramenta importante introduzida no sistema jurídico pela Lei nº 11.101/2005, a Lei de Recuperação de Empresas e Falências (LREF), especificamente através do artigo 51-A, que foi inserido pela Lei nº 14.112/2020. Este mecanismo visa assegurar equidade e transparência nos processos de recuperação judicial, garantindo que apenas empresas realmente em dificuldade e com condições mínimas de se reerguer se beneficiem desse recurso.
Eficácia da constatação prévia
“[…] a eficácia de aplicação da constatação prévia, que motivou o legislador a prevê-la na reforma da LRE, se demonstra através de dados numéricos. Isso pois, junto às varas especializadas de São Paulo, notou-se que, sem a constatação prévia, a taxa de deferimento de recuperações judiciais foi de 63,3% (521 processos) e 36,4% de indeferimento (298 processos). Já com sua utilização, a taxa de deferimento dos processos subiu para 81,7% (76 processos) e a de indeferimento caiu para 18,3% (17 processos), segundo a segunda fase do Observatório de Insolvência, da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ).”¹.
Intuito e principais objetivos da constatação prévia
A constatação prévia foi implementada com o intuito de proteger o interesse público e garantir a credibilidade do sistema de recuperação judicial. Antes de sua criação, a análise da viabilidade de um pedido de recuperação judicial de forma mais profunda acontecia somente após o deferimento inicial, o que poderia resultar em processos prolongados e custos elevados em casos sem mérito.
Objetivos principais:
Verificação de atividade empresarial: garantir que a empresa requente está mantendo uma operação legítima e ativa, pré-requisito fundamental para a concessão da recuperação judicial. Isso previne a fraude ao impedir que empresas fictícias ou inativas abusem do processo.
Regularidade documental: assegurar que toda documentação necessária esteja completa e seja autêntica, permitindo ao juiz formar um entendimento preciso acerca da situação da empresa.
Celeridade processual: filtrar pedidos inviáveis ou fraudulentos agiliza o processo, permitindo o foco nos casos que realmente merecem análise.
Impactos e implicações
Como funciona: o juiz, se considerar necessário, pode determinar a realização da constatação prévia antes de decidir sobre o processamento da recuperação judicial.
Consequências: com base no laudo, o juiz decide se defere ou não o processamento da recuperação judicial.
Nomeação do profissional: após a petição de recuperação judicial ser protocolada, o juiz tem a prerrogativa de nomear um profissional de sua confiança, com a devida capacidade técnica e moral, para conduzir uma verificação das reais condições operacionais da empresa solicitante e conferir a regularidade e completude dos documentos apresentados com o pedido inicial.
Remuneração do profissional: essa remuneração será estabelecida após a apresentação do laudo e deve levar em consideração o nível de complexidade envolvido no trabalho executado.
Prazo para apresentação do laudo: o juiz concede ao profissional um prazo máximo de cinco dias para apresentar um relatório detalhado das condições de operação da devedora e da adequação dos documentos.
Natureza do procedimento: a constatação prévia ocorre sem a necessidade de audição da parte contrária, podendo ser realizada sem aviso prévio ao devedor, a critério do juiz, especialmente se houver risco de prejuízo aos objetivos da diligência.
Intimação e oposição do devedor: o devedor é notificado do resultado juntamente com a decisão que defere ou indefere o pedido de recuperação, ou que solicita a retificação da petição inicial, podendo contestá-lo por meio dos recursos legais disponíveis.
Âmbito da constatação: o procedimento se concentra na verificação das verdadeiras condições operacionais e na conformidade dos documentos, e não na análise da viabilidade econômica da empresa, que ocorre em momento posterior.
Detecção de fraudes: se o relatório inicial revelar indícios significativos de uso fraudulento do processo de recuperação, o juiz pode indeferir o pedido inicial e acionar o Ministério Público para possíveis medidas legais.
Competência jurisdicional: se for constatado que o principal local de negócios da empresa devedora não se encontra dentro da jurisdição do juízo, o magistrado deve encaminhar o caso imediatamente ao fórum competente.
Observação: a constatação prévia não é obrigatória em todos os processos de recuperação judicial, ficando a critério do juiz a sua determinação.
Finalidade e eficácia da constatação prévia: ao garantir que apenas pedidos legítimos avancem, este mecanismo reforça a eficiência e a credibilidade do processo de recuperação judicial, protegendo não apenas os direitos dos credores, mas também a integridade do sistema jurídico e econômico.
A constatação prévia influencia significativamente os passos subsequentes em um processo de recuperação judicial:
- Deferimento do processamento: se o laudo confirma as condições adequadas, o processamento pode ser deferido, iniciando a elaboração do plano de recuperação.
- Indeferimento: a ausência de atividade empresarial, irregularidades graves ou fraudes pode levar o juiz a indeferir o pedido.
- Emenda à inicial: em caso de irregularidades sanáveis, o juiz pode exigir que o devedor complemente ou corrija a petição, permitindo um ajuste antes de decisões finais.
Desafios e críticas
Discricionariedade excessiva: a falta de critérios objetivos para sua aplicação pode resultar em insegurança jurídica ou decisões arbitrárias.
Encargo financeiro: o custo associado à remuneração do profissional pode ser oneroso para empresas já em crise.
Potenciais atrasos: embora destinada a agilizar, a constatação prévia pode causar atrasos se o profissional não cumprir o prazo estipulado para o laudo.
Recomendação nº 103/2021 do CNJ
Acerca da Recomendação nº 103 de 23/08/2021 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no que tange a constatação prévia:
- A referida Recomendação objetiva padronizar e uniformizar práticas nos processos de recuperação judicial, promovendo maior eficiência e transparência. Esta recomendação é dirigida aos magistrados de todas as varas, especializadas ou não, onde tais processos tramitam.
Artigo 1º, diretrizes para constatação prévia:
- O artigo 1º orienta que, nos casos em que se determinar a constatação prévia da regularidade dos documentos que fundamentam o pedido inicial de recuperação judicial, o profissional nomeado deve seguir estas diretrizes:
- Verificação dos requisitos legais: o perito deve certificar se a devedora cumpre os requisitos estipulados pelo artigo 48 da LREF. Esse artigo exige, entre outros elementos, que a empresa tenha praticado atividade regular por mais de dois anos.
- Documentação completa: deve ser verificado se a petição inicial está acompanhada dos documentos requeridos pelo artigo 51 da LREF, incluindo as alternativas específicas para produtores rurais conforme os §§ 3º e 4º do referido artigo 48.
- Formulário padronizado: um formulário detalhado, conforme prescrito no Anexo I da recomendação, deve ser apresentado, categorizado por devedor em casos de consolidação substancial.
- Relação de credores: o profissional deve verificar se a relação de credores possui todas as informações necessárias conforme o artigo 3º da referida Recomendação. Na ausência destas, uma nova relação deve ser submetida seguindo o modelo do Anexo II da recomendação em questão.
A sistematização propiciada pela Recomendação nº 103/2021 trouxe alguns ganhos, como:
- Agilidade na análise: promove maior celeridade aos processos judiciais ao assegurar documentos completos e conformes desde o início.
- Aumento da transparência: aprimora a clareza e confiança nos processos, beneficiando todos os participantes.
- Melhoria na qualidade das informações: oferece dados consistentes para a tomada de decisão, facilitando o trabalho dos magistrados e a execução do processo.
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Legislação:
Lei 11.101/2005
– Artigo 48: “Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:
I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;
II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial;
III – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo;
IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
§ 1º A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente.
§ 2º No caso de exercício de atividade rural por pessoa jurídica, admite-se a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo por meio da Escrituração Contábil Fiscal (ECF), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir a ECF, entregue tempestivamente.
§ 3º Para a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo, o cálculo do período de exercício de atividade rural por pessoa física é feito com base no Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir o LCDPR, e pela Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial, todos entregues tempestivamente.
§ 4º Para efeito do disposto no § 3º deste artigo, no que diz respeito ao período em que não for exigível a entrega do LCDPR, admitir-se-á a entrega do livro-caixa utilizado para a elaboração da DIRPF.
§ 5º Para os fins de atendimento ao disposto nos §§ 2º e 3º deste artigo, as informações contábeis relativas a receitas, a bens, a despesas, a custos e a dívidas deverão estar organizadas de acordo com a legislação e com o padrão contábil da legislação correlata vigente, bem como guardar obediência ao regime de competência e de elaboração de balanço patrimonial por contador habilitado.”.
– Artigo 51: “A petição inicial de recuperação judicial será instruída com:
I – a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira;
II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de:
a) balanço patrimonial;
b) demonstração de resultados acumulados;
c) demonstração do resultado desde o último exercício social;
d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção;
e) descrição das sociedades de grupo societário, de fato ou de direito;
III – a relação nominal completa dos credores, sujeitos ou não à recuperação judicial, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço físico e eletrônico de cada um, a natureza, conforme estabelecido nos arts. 83 e 84 desta Lei, e o valor atualizado do crédito, com a discriminação de sua origem, e o regime dos vencimentos;
IV – a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento;
V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores;
VI – a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor;
VII – os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras;
VIII – certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial;
IX – a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais e procedimentos arbitrais em que este figure como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados;
X – o relatório detalhado do passivo fiscal; e
XI – a relação de bens e direitos integrantes do ativo não circulante, incluídos aqueles não sujeitos à recuperação judicial, acompanhada dos negócios jurídicos celebrados com os credores de que trata o § 3º do art. 49 desta Lei.
§ 1º Os documentos de escrituração contábil e demais relatórios auxiliares, na forma e no suporte previstos em lei, permanecerão à disposição do juízo, do administrador judicial e, mediante autorização judicial, de qualquer interessado.
§ 2º Com relação à exigência prevista no inciso II do caput deste artigo, as microempresas e empresas de pequeno porte poderão apresentar livros e escrituração contábil simplificados nos termos da legislação específica.
§ 3º O juiz poderá determinar o depósito em cartório dos documentos a que se referem os §§ 1º e 2º deste artigo ou de cópia destes.
§ 4º Na hipótese de o ajuizamento da recuperação judicial ocorrer antes da data final de entrega do balanço correspondente ao exercício anterior, o devedor apresentará balanço prévio e juntará o balanço definitivo no prazo da lei societária aplicável.
§ 5º O valor da causa corresponderá ao montante total dos créditos sujeitos à recuperação judicial.
§ 6º Em relação ao período de que trata o § 3º do art. 48 desta Lei:
I – a exposição referida no inciso I do caput deste artigo deverá comprovar a crise de insolvência, caracterizada pela insuficiência de recursos financeiros ou patrimoniais com liquidez suficiente para saldar suas dívidas;
II – os requisitos do inciso II do caput deste artigo serão substituídos pelos documentos mencionados no § 3º do art. 48 desta Lei relativos aos últimos 2 (dois) anos.”.
– Artigo 51-A: “Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, poderá o juiz, quando reputar necessário, nomear profissional de sua confiança, com capacidade técnica e idoneidade, para promover a constatação exclusivamente das reais condições de funcionamento da requerente e da regularidade e da completude da documentação apresentada com a petição inicial.
§ 1º A remuneração do profissional de que trata o caput deste artigo deverá ser arbitrada posteriormente à apresentação do laudo e deverá considerar a complexidade do trabalho desenvolvido.
§ 2º O juiz deverá conceder o prazo máximo de 5 (cinco) dias para que o profissional nomeado apresente laudo de constatação das reais condições de funcionamento do devedor e da regularidade documental.
§ 3º A constatação prévia será determinada sem que seja ouvida a outra parte e sem apresentação de quesitos por qualquer das partes, com a possibilidade de o juiz determinar a realização da diligência sem a prévia ciência do devedor, quando entender que esta poderá frustrar os seus objetivos.
§ 4º O devedor será intimado do resultado da constatação prévia concomitantemente à sua intimação da decisão que deferir ou indeferir o processamento da recuperação judicial, ou que determinar a emenda da petição inicial, e poderá impugná-la mediante interposição do recurso cabível.
§ 5º A constatação prévia consistirá, objetivamente, na verificação das reais condições de funcionamento da empresa e da regularidade documental, vedado o indeferimento do processamento da recuperação judicial baseado na análise de viabilidade econômica do devedor.
§ 6º Caso a constatação prévia detecte indícios contundentes de utilização fraudulenta da ação de recuperação judicial, o juiz poderá indeferir a petição inicial, sem prejuízo de oficiar ao Ministério Público para tomada das providências criminais eventualmente cabíveis.
§ 7º Caso a constatação prévia demonstre que o principal estabelecimento do devedor não se situa na área de competência do juízo, o juiz deverá determinar a remessa dos autos, com urgência, ao juízo competente.”.
Recomendação nº 103/2021 do CNJ
– Artigo 1º: “Recomendar a todos os magistrados e magistradas das varas, especializadas ou não, onde tramitam processos de recuperação judicial que, nos casos em que for determinada a constatação prévia da regularidade dos documentos que instruem a inicial do pedido de recuperação, determinem ao profissional nomeado que:
I – informe se a devedora atende aos requisitos do art. 48 da Lei no 11.101/2005;
II – informe se a petição inicial foi instruída com os documentos previstos no art. 51 do mesmo diploma legal, bem como com a documentação mencionada no § 3o ou no § 4o do art. 48 do mesmo dispositivo legal na hipótese se recuperação de produtor rural;
III – apresente formulário conforme anexo I, devendo o formulário ser segregado por devedor na hipótese de consolidação substancial; e
IV – informe se a relação de credores contém as informações mencionadas no art. 3o desta Recomendação e, na sua ausência, apresentar relação de credores na forma do modelo constante do Anexo II desta Recomendação.”
Fonte:
– Lei nº 11.101/2005: link (acesso em 14/02/2025)
– Recomendação nº 103/2021 do CNJ: link (acesso em 24/03/2025)
– 1. A constatação prévia na nova Lei de Recuperação Judicial e Falências: link (acesso em 14/02/2025)
Este texto foi elaborado com o auxílio de inteligência artificial.
Observação: a leitura deste texto não substitui a assessoria jurídica proveniente de um advogado especialista na área.
Atualizações feitas até 14/02/2025.