Quem possui competência para julgar a recuperação judicial?

Quem possui competência para julgar a recuperação judicial?

A competência para julgar a recuperação judicial (RJ), a recuperação extrajudicial (RE) e a falência, de acordo com a Lei 11.101/2005 (Lei de Recuperação de Empresas e Falência, a LREF), pertence ao juízo do local do principal estabelecimento do devedor. Contudo, a lei não define expressamente o que seria o “principal estabelecimento”, o que gera debates.

As três correntes existentes acerca do principal estabelecimento

“[…] Atualmente, pode-se dizer que o maior debate se cinge entre três correntes. Uma delas é aquela que comunga do entendimento de que o principal estabelecimento está localizado na sede estatutária, ou seja, a localização prevista no estatuto/contrato social da empresa levado a registro.

A segunda corrente, perfila o entendimento de que o local do principal estabelecimento para os fins do artigo 3º da Lei nº 11.101/2005, seria onde está a maior concentração de negócios, ou seja, onde está o maior volume econômico daquela empresa.

A terceira linha de pensamento tem o escopo no local onde está o comando administrativo, ou seja, onde se tomam as decisões que irão ditar o ritmo da empresa.

Neste caminho, considerando as divergências sobre a interpretação de qual seria o local do principal estabelecimento do(a) recuperando(a) para as finalidades de fixar a competência jurisdicional concernente à Lei nº 11.101/2005, o Superior Tribunal de Justiça e os demais Tribunais Ordinários, estão seguindo o entendimento da teoria do aspecto econômico.”¹.

O entendimento dominante atualmente

Portanto, o principal estabelecimento não é necessariamente o mesmo local da sede da empresa. Uma empresa pode ter sua sede em um lugar, mas seu principal estabelecimento em outro, onde concentra suas atividades econômicas (maior volume econômico). Neste caso, o estabelecimento que concentra o maior número de atividades econômicas será considerado o principal estabelecimento.

A correta definição do juízo competente é fundamental para o bom andamento do processo de RJ, RE e falência. Isso porque o juízo competente será responsável por analisar o pedido desses processos, acompanhar o cumprimento do plano de recuperação e decidir sobre as questões que surgirem ao longo do processo.

Caso haja dúvidas sobre qual seria o principal estabelecimento do devedor, ou se houver conflito entre diferentes juízos, a questão será decidida pelo Tribunal de Justiça do estado.

Empresas que possuem sede fora do Brasil podem ter a RJ ou RE processadas no local de sua filial no Brasil.

“Derradeiramente, os tribunais ordinários como por exemplo, o TJ-SP, TJ-RJ, TJ-MG, TJ-PR, TJ-MT e o próprio STJ (Superior Tribunal de Justiça) firmaram de forma a consolidar que será considerado o local do principal estabelecimento do devedor, aquele lugar onde estiver concentrado o maior volume de negócios, credores e patrimônio.

‘CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AGRAVO INTERNO. PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ARTIGO 3º DA LEI N. 11.101/2005. 1. Nos termos do artigo 3º da Lei nº 11.101/2005, o foro competente para o processamento da recuperação judicial e a decretação de falência é aquele onde se situe o principal estabelecimento da sociedade, assim considerado o local onde haja o maior volume de negócios, ou seja, o local mais importante da atividade empresária sob o ponto de vista econômico. Precedentes. 2. No caso, ante as evidências apuradas pelo Juízo de Direito do Foro Central de São Paulo, o principal estabelecimento da recuperanda encontra-se em Cabo de Santo Agostinho/PE, onde situados seu polo industrial e seu centro administrativo e operacional, máxime tendo em vista o parecer apresentado pelo Ministério Público, segundo o qual o fato de que o sócio responsável por parte das decisões da empresa atua, por vezes, na cidade de São Paulo, não se revela suficiente, diante de todos os outros elementos, para afirmar que o ‘centro vital’ da empresa estaria localizado na capital paulista. 3. Agravo interno não provido. (STJ — AgInt no CC: 147714 SP 2016/0190631-3, relator: ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 22/02/2017, S2 – SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 07/03/2017).’

‘CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 173168 – GO (2020/0157049-6) […] Trata-se de conflito negativo de competência instaurado entre o Juízo de Direito da 1ª Vara de Anicuns-GO, suscitante, e o Juízo de Direito da Vara de Precatórias, Falências e Concordatas de Araguaína-TO, suscitado nos autos de pedido de recuperação judicial apresentado por JOAQUIM BAHIA EVANGELISTA e OUTROS (GRUPO BAHIA EVANGELISTA). […] DECIDO. O conflito está configurado e merece ser dirimido. Razão assiste ao juízo suscitante. Como bem anotaram tanto o juízo suscitado, quanto o juízo suscitante, esta Corte Superior, interpretando o conceito de ‘principal estabelecimento do devedor’ a que se refere o artigo 3º da Lei nº 11.101/2002, para fins de definição do juízo competente para o processamento de pedido de recuperação judicial, firmou o entendimento de que seria o local em que se encontram centralizadas as atividades mais importantes desempenhadas pela empresa, independentemente do fato de ser eventualmente ser outra sua sede estatutária. […] Nesse cenário, resulta inconteste que, no caso em exame, a competência para processar e julgar o pedido de recuperação ora em apreço é do juízo O Juízo de Direito da Vara de Precatórias, Falências e Concordatas de Araguaína-TO. Isso porque, pelo que se pode extrair dos autos, o estabelecimento principal do Grupo Bahia Evangelista é a Fazenda Quatro de Outubro, que concentra a principal atividade por ele desenvolvida (engorda de gado em confinamento) e constitui sua principal fonte de receita. Tal fazenda está situada na cidade de Aragominas/TO, distrito de Araguaína/TO. ‘[…] Não se justifica, portanto, o processamento do pedido neste Juízo unicamente para facilitar o concurso de credores, já que há credores de montante pouco considerável tanto em Anicuns quanto em Aragominas’ (e-STJ fls. 4/5). Em vista do exposto, conheço do conflito para declarar competente o Juízo de Direito da Vara de Precatórias, Falências e Concordatas de Araguaína-TO – suscitado. Publique-se. Intimem-se. Comunique-se. Brasília, 04 de agosto de 2020′. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA relator (STJ – CC: 173168 GO 2020/0157049-6, relator: ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Publicação: DJ 13/08/2020)’.

‘AGRAVOS DE INSTRUMENTOS. JULGAMENTO CONJUNTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. FORO COMPETENTE PARA PROCESSAMENTO E JULGAMENTO. ARTIGO 3º DA LEI Nº 11.101/2005. PRINCIPAL ESTABELECIMENTO DA SOCIEDADE. ATIVIDADE ECONÔMICA CONCENTRADA NO ESTADO DO PARÁ. DECLARAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO DA 3ª VARA EMPRESARIAL. PREJUÍZO DO RECURSO QUE VERSA MATÉRIA DE SUSPENSÃO DAS EXECUÇÕES. DECISÃO QUE SE REFORMA. 1. Nos termos do artigo 3º da Lei nº 11.101/2005, o foro competente para o processamento da recuperação judicial e a decretação de falência é aquele onde se situe o principal estabelecimento da sociedade. Conceito que avança ao exame do local de maior importância para a atividade empresária sob o ponto de vista econômico. 2. Na hipótese dos autos, a própria inicial revela a magnitude e volume de negócios exercidos na Cidade de Belém, onde se situa uma das recuperandas, bem como sua relevância no mercado de trabalho da região; 3. Quadro Geral de Credores composto, em sua maciça maioria, de domiciliados naquela Cidade, a evidenciar o clamor social; 4. Provimento do recurso interposto pelo Ministério Público para declarar a incompetência do Juízo da 3ª Vara Empresarial para o processamento e julgamento da recuperação judicial, e competência do Juízo de Belém/PA. Prejudicado o recurso manejado pela instituição financeira. (TJ-RJ – AI: 00516315120188190000, relator: desembargador (a). LUIZ FERNANDO DE ANDRADE PINTO, Data de Julgamento: 12/12/2018, 25ª CÂMARA CÍVEL).’

‘EMENTA: CONFLITO NEGATVO DE COMPETÊNCIA – INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DECLARADA DE OFICIO – AÇÃO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL- INTELIGENCIA DO ARTIGO 3º DA LEI 11.101/05 – ESTABELECIMENTO PRINCIPAL – PRECEDENTE DO STJ — O artigo 3º da Lei nº 11.101/05 assim dispõe: ‘É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil’. Entende-se como estabelecimento principal o local se concentra o maior volume de negócios da empresa. (TJ-MG – CC: 10000211075346000 MG, relator: Rogério Medeiros, Data de Julgamento: 26/08/2021, Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 26/08/2021).’

‘CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. JUÍZO COMPETENTE.ARTIGO 3º, DA LEI 11.101/2005. LOCAL DO PRINCIPAL ESTABELECIMENTO DA RECUPERANDA, DO PONTO DE VISTA ECONÔMICO. 1. Não há dúvidas que se a competência do Juízo falimentar é absoluta, a do juízo da recuperação judicial também é, eis que ambos os institutos são regrados pela mesma normativa, inclusive no que se refere à disposição sobre a sua competência, cuja previsão está contida no artigo 3º da Lei 11.101/05. 2. Em tais condições, o artigo 3º supramencionado estabelece que a competência para o julgamento da Recuperação de empresa judicial, deve ser a do principal estabelecimento do devedor no Brasil. 3. O principal estabelecimento do devedor é aquele mais importante do ponto de vista econômico, correspondente ao local provavelmente mais próximos dos bens, contabilidade e credores do falido (no caso recuperando), ou seja, no local em que há maior número de negócios. 4. No caso concreto, o local do principal estabelecimento do devedor é a Comarca de Pato Branco, de forma que este Juízo é o competente para julgar a lide. 5. CONFLITO DE COMPETÊNCIA IMPROCEDENTE. (TJPR – 18ª C.Cível em Composição Integral – CC – 1605387-5 – Pato Branco – relator: resembargador Marcelo Gobbo Dalla Dea – Unânime – J. 03.05.2017). (TJ-PR – CC: 16053875 PR 1605387-5 (Acórdão), relator: Desembargador Marcelo Gobbo Dalla Dea, Data de Julgamento: 03/05/2017, 18ª Câmara Cível em Composição Integral, Data de Publicação: DJ: 2034 24/05/2017).’

‘RECUPERAÇÃO JUDICIAL — Competência — Competência territorial de natureza absoluta — Local onde se situa o principal estabelecimento do devedor — Inteligência do art. 3º da Lei 11.101/05 — Critério econômico — No caso concreto, o principal estabelecimento do devedor se encontra em São Paulo Capital, local onde se concentra o maior número de credores e, portanto, maior volume de negócios — Centro administrativo localizado na Capital — Remessa dos autos acertadamente decidida pelo Juízo de Sorocaba — Recurso improvido. (TJ-SP – AI: 22092779020218260000 SP 2209277-90.2021.8.26.0000, Relator: J. B. Franco de Godoi, Data de Julgamento: 11/11/2021, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 11/11/2021).’

‘AGRAVO DE INSTRUMENTO — AÇÃO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL — COMPETÊNCIA PARA PROCESSAMENTO — INTELIGENCIA DO ARTIGO 3º DA LEI 11.101/05 — ESTABELECIMENTO PRINCIPAL – PRECEDENTE DO STJ – RECURSO PROVIDO. ‘O artigo 3º da Lei nº 11.101/05 assim dispõe: ‘É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil’. Entende-se como estabelecimento principal o local se concentra o maior volume de negócios da empresa’. (TJ-MG – CC: 10000211075346000 MG, relator: Rogério Medeiros, Data de Julgamento: 26/08/2021, Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 26/08/2021). (TJ-MT – AI: 10137616920218110000, Relator: NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO, Data de Julgamento: 11/04/2023, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 15/04/2023).’

Portanto, pelo o que se consolidou doutrinariamente e jurisprudencialmente, mostra-se prudente reconhecer que, o termo ‘principal estabelecimento’, encartado no corpo do dispositivo legal contido no artigo 3º da norma se soerguimento empresarial (Lei nº 11.101/2005), é o local onde está o maior movimento econômico da(o) recuperanda(o), onde é desenvolvida a atividade, onde estão a maioria dos credores e onde, dentro de uma percepção social, os atos seriam desenvolvidos de forma mais célere e profícua, contribuindo com a marcha processual revestido dos princípios da lei recuperacional e os não menos privilegiados princípios constitucionais.”¹.

Prevenção da jurisdição para julgar a recuperação judicial

Outro tópico é o da prevenção. De acordo com o § 8º do artigo 6º da LREF, a prevenção da jurisdição, em relação ao mesmo devedor, para qualquer outro pedido de falência, recuperação judicial ou extrajudicial, é determinada pela distribuição do primeiro pedido de falência, recuperação judicial ou pela homologação da recuperação extrajudicial. Isso significa que, uma vez que um juízo específico é acionado com um pedido de falência ou recuperação, ele se torna o juízo competente para analisar qualquer outro pedido relacionado ao mesmo devedor, evitando decisões conflitantes e garantindo a uniformidade do processo. Por exemplo, se uma empresa tem sua falência requerida na comarca de São Paulo, e posteriormente tenta um pedido de recuperação judicial no Rio de Janeiro, o juízo de São Paulo será o competente para ambos os processos.

– Conflito de Competência (CC) nº 116743/MG: “Conquanto o pedido de recuperação judicial tenha sido efetuado por cinco empresas que compõem um grupo econômico, certo é que contra uma dessas empresas já havia requerimento de falência em curso, o que, consoante o teor do art. 6º, §8º, da Lei n. 11/101/05, torna prevento o Juízo no qual este se encontra para apreciar o pleito que busca o soerguimento das demandantes”.

Para saber mais acerca do tema recuperação judicial, acesse os demais textos constantes da Home deste site.

Legislação:

Lei 11.101/2005

– Artigo 3º: “É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil.”.

– Artigo 6º, §8º: “A distribuição do pedido de falência ou de recuperação judicial ou a homologação de recuperação extrajudicial previne a jurisdição para qualquer outro pedido de falência, de recuperação judicial ou de homologação de recuperação extrajudicial relativo ao mesmo devedor.”.

Fonte:

– Lei nº 11.101/2005: link (acesso em 15/02/2025)

– 1. Competência jurisdicional para processar a RJ: interpretação do artigo 3º da Lei 11.101: link (acesso em 15/02/2025)

Este texto foi elaborado com o auxílio de inteligência artificial.

Observação: a leitura deste texto não substitui a assessoria jurídica proveniente de um advogado especialista na área.

Atualizações feitas até 15/02/2025.