Na recuperação judicial cabe alguma tutela de urgência do CPC?

Na recuperação judicial cabe alguma tutela de urgência do CPC?

Sim, o Código de Processo Civil (CPC) pode ser utilizado para a concessão de tutela de urgência nos processos de recuperação judicial, conforme previsto na Lei 11.101/2005, a Lei de Recuperação de Empresas e Falência (LREF).

Os três momentos em que o CPC é citado na LREF para fins de medida provisória

O primeiro momento está no artigo 6ª, §12º: “Observado o disposto no art. 300 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), o juiz poderá antecipar total ou parcialmente os efeitos do deferimento do processamento da recuperação judicial.”. O segundo momento consta do artigo 20-B, § 1º: “Na hipótese prevista no inciso IV do caput deste artigo, será facultado às empresas em dificuldade que preencham os requisitos legais para requerer recuperação judicial obter tutela de urgência cautelar, nos termos do art. 305 e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), a fim de que sejam suspensas as execuções contra elas propostas pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, para tentativa de composição com seus credores, em procedimento de mediação ou conciliação já instaurado perante o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) do tribunal competente ou da câmara especializada, observados, no que couber, os arts. 16 e 17 da Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015.”. E o terceiro momento está no artigo 189: “Aplica-se, no que couber, aos procedimentos previstos nesta Lei, o disposto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), desde que não seja incompatível com os princípios desta Lei. ”.

As medidas provisórias de urgência podem ser classificadas como típicas ou atípicas

“[…] Medidas de urgência atípicas são aquelas deferidas pelo magistrado com base no Poder Geral de Cautela […]. Nesse sentido, o magistrado poderá determinar qualquer medida suficiente e necessária para garantir o resultado útil do processo, sempre que a parte demonstrar a plausibilidade do seu direito (fumus boni juris) e a existência de risco de dano irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora).

Medidas de urgência típicas, por outro lado, são aquelas expressamente previstas e reguladas em lei. Nesse sentido, a lei define o conteúdo da medida, bem como o que seria exigido para a comprovação do fumus boni juris e/ou periculum in mora.

Em relação aos processos de recuperação empresarial, há duas medidas de urgência típicas, previstas e reguladas pela lei 11.101/05. São elas a medida prevista no art. 6º, § 12 e a medida prevista no art. 20-B, parágrafo primeiro.

O art. 6º, § 12, da Lei n. 11.101/05 previu e regulou a tutela antecipada de urgência em processos recuperacionais. Importante destacar que o cabimento dessa medida pressupõe necessariamente o prévio ajuizamento do pedido de recuperação. Trata-se de medida que visa antecipar, total ou parcialmente, os efeitos do deferimento do processamento de uma recuperação judicial.

No sistema de insolvência brasileiro, o deferimento do processamento de uma recuperação judicial é o marco inicial da incidência do conhecido stay period, ou seja, da suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor e da proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial, conforme art. 6º da lei 11.101/05.

Entretanto, frequentemente há o transcurso de um tempo relevante entre a data da distribuição do pedido recuperacional e a data do deferimento do seu processamento, em razão da necessidade de detida análise judicial da presença dos requisitos legais ou mesmo em razão da determinação de uma constatação prévia, com fundamento no art. 51-A da Lei n. 11.101/05. Durante esses dias ou meses de espera do deferimento do processamento da recuperação judicial, a devedora fica sem a proteção do stay contra os seus credores. Daí podem resultar situações que coloquem em risco o resultado útil do processo de recuperação, com prejuízos irreparáveis à devedora e aos interesses maiores tutelados pelo sistema de insolvência, de natureza pública e social.

A lei não definiu para o caso dessa medida típica (antecipação total ou parcial do stay period) exigências específicas de comprovação do fumus boni juris e do periculum in mora, fazendo apenas remissão ao art. 300 do CPC, de modo que a devedora tem liberdade para demonstrar por qualquer meio a plausibilidade do seu direito e a presença do risco de dano irreparável ou de difícil reparação ao resultado útil do processo. […]”¹.

A Lei 14.112/2020 trouxe as medidas provisórias de urgência para dentro da LREF, conforme disposto no artigo 6, §12º, no artigo 20-B, § 1º e no artigo 189 da LREF

“Com efeito, o novo artigo 20-B traz quatro incisos acerca da possibilidade da mediação antecedente ou incidental. Todavia, o parágrafo primeiro do mesmo artigo, ao regular a possibilidade da tutela de urgência, somente se reporta ao inciso IV. Com isso, nos parece claro que a intenção do dispositivo foi restringir seu cabimento de fato às hipóteses do inciso IV, não podendo ser dada uma interpretação extensiva à norma. Afinal, se a intenção da lei fosse permitir a tutela de urgência do parágrafo primeiro para todas as hipóteses elencadas, bastaria omitir qualquer referência aos seus incisos; ao caminhar em direção oposta, nos parece claro que a intenção do legislador foi de restringir sua aplicação ao inciso IV.

A partir daí, surge uma questão interessante: essa opção legislativa subtrai do julgador a possibilidade de conceder tutelas de urgência no tocante as hipóteses descritas nos demais incisos?

A resposta nos parece negativa.

A Constituição no inciso XXXV do artigo 5º prevê expressamente a inafastabilidade da tutela jurisdicional, isto é, todo aquele que entende que seu direito foi lesado ou ameaçado pode requerer a tutela jurisdicional do Estado. De há muito a doutrina e jurisprudência se pacificaram no sentido de que essa garantia constitucional não se limita às tutelas cognitivas e satisfativas, mas também às cautelares. Ou seja, mesmo que a lei tenha regulado uma cautelar típica para a hipótese do inciso IV do artigo 20-B, é inequívoco que as demais hipóteses devem ser protegidas pelo manto constitucional.

Se não bastasse isso, o § 12 do artigo 6º da Lei 11.101/2005 prevê uma norma geral segundo a qual é admitida a antecipação total ou parcial dos efeitos do deferimento da recuperação judicial. Ou seja, embora o § 1º do artigo 20-B tenha limitado a concessão da tutela de urgência nele regulada à hipótese do inciso IV, a regra geral é aplicável a todas as hipóteses e, por consequência, protege os casos descritos nos demais incisos.

Isso significa que a norma geral torna inútil ou dispensável a regra do § 1º do artigo 20-B? A resposta é não. Na verdade, o § 1º cria um cautelar típica para a hipótese ali prevista […]. Assim, na hipótese do inciso IV e desde que preenchidos os requisitos legais o juiz pode conceder uma tutela de urgência para suspender as execuções pelo prazo de 60 dias, enquanto pelo § 12 do artigo 6º o pedido de recuperação judicial deve ser protocolado em 30 dias, se a tutela de urgência concedida for acautelatória, e 15 dias, se for antecipatória, como determinam, respectivamente, os artigos 308 e 303, § 1º, inciso I, ambos do Código de Processo Civil.

Assim, a primeira conclusão é que todas as hipóteses descritas nos incisos do artigo 20-B podem ser protegidas por tutelas de urgência, lastreado numa cautelar típica ou com fundamento no poder geral de cautela.

Todavia, uma segunda questão deve ser enfrentada.

Como dito, a hipótese descrita no inciso IV do artigo 20-B tem a tutela de urgência regulada pelo seu § 1º, cautelar típica. E daí surge o problema. A tutela de urgência descrita no § 1º tem por objetivo exclusivo a suspensão das execuções em face do devedor, sendo vedado ao intérprete, no nosso entender, dar uma interpretação extensiva à norma se a situação de ameaça ou lesão a direito depender de outra modalidade de proteção acautelatória.

A tutela prevista no dispositivo é exclusivamente para suspender execuções. Daí vem a indagação: na hipótese do inciso IV, a regra do § 1º traduz a impossibilidade do juiz se valer do poder geral de cautelar para proteger eventual direito ameaçado ou lesado?

A resposta é negativa pelos motivos constitucional e legal, acima expostos. O devedor que pretende a mediação no caso do inciso IV, caso necessite de uma tutela de urgência, que não a suspensão das execuções pelo prazo de 60 dias, pode, com base na garantia constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional, e na regra do § 12 do artigo 6º pleitear a tutela de urgência acautelatória ou antecipatória. Todavia, nessa hipótese não terá o benefício dos 60 dias de suspensão, mas somente 30 dias (se for uma tutela cautelar) e 15 dias (se for antecipatória)”².

A tutela de urgência no CPC

A tutela de urgência, prevista no CPC a partir do artigo 300, é um mecanismo processual que visa garantir a efetividade da prestação jurisdicional em situações que demandam uma intervenção célere do Poder Judiciário.

A tutela de urgência é outorgada quando estão presentes elementos que demonstram a plausibilidade do direito (fumus boni iuris), juntamente com o risco de dano iminente ou a ameaça ao resultado eficaz do processo (periculum in mora), de acordo com o artigo 300 do CPC.

Ela se manifesta em duas modalidades principais: a tutela de urgência cautelar e a tutela de urgência antecipada.

A tutela de urgência cautelar no CPC

A tutela de urgência cautelar tem como objetivo assegurar a utilidade do processo principal, protegendo bens ou direitos que correm risco de dano irreparável ou de difícil reparação. Em outras palavras, ela busca garantir que, ao final do processo, a decisão judicial possa ser efetivamente cumprida.

Caráter assecuratório: visa proteger um direito ameaçado, garantindo que ele não se perca ou se deteriore durante o curso do processo.

Não satisfaria: não satisfaz o direito material em si, apenas garante a sua futura satisfação.

Alguns exemplos: arresto de bens, sequestro de bens, produção antecipada de provas, busca e apreensão de documentos.

A tutela de urgência antecipada no CPC

A tutela de urgência antecipada, por sua vez, tem como objetivo antecipar os efeitos da decisão final, permitindo que a parte obtenha, desde logo, a satisfação do seu direito.

Caráter satisfativo: antecipa a satisfação do direito material, concedendo à parte o que ela busca obter ao final do processo.

Alguns exemplos: limitação de medidas constritivas por instituições financeiras, antecipação de recebimento de créditos fiscais, continuação de contratos de prestação de serviços essenciais.

– Reversibilidade: de acordo com o artigo 300, § 3º, a “tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”, ou seja, deve ser possível retornar ao estado anterior caso a decisão final seja desfavorável à parte que obteve a tutela antecipada. Para conceder a tutela de urgência, nos termos do artigo 300, § 1º, o juiz tem a opção de exigir uma caução, seja real ou fidejussória, adequada para compensar possíveis prejuízos sofridos pela outra parte, caso a medida se revele posteriormente infundada ou excessiva. Essa exigência de caução pode ser dispensada, total ou parcialmente, se a parte economicamente desfavorecida não tiver condições de oferecê-la.

A importância da tutela de urgência na recuperação judicial

A tutela de urgência desempenha um papel importante nos processos de recuperação judicial, tanto para o devedor quanto para os credores. Ela pode ser utilizada para garantir a preservação da empresa em crise, proteger os interesses dos credores e assegurar a efetividade do processo de recuperação.

Poder geral de cautela e atipicidade das medidas

O artigo 297 do CPC confere ao juiz o chamado “poder geral de cautela”, que transcende a mera aplicação das medidas provisórias tipificadas em lei (arresto, sequestro, etc.). Esse poder permite ao magistrado determinar medidas atípicas, ou seja, não expressamente previstas no ordenamento jurídico, desde que sejam adequadas e necessárias para assegurar a utilidade do processo e a efetividade da prestação jurisdicional.

Importante: o poder geral de cautela deve ser exercido com prudência e moderação, observando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a fim de evitar abusos e garantir o respeito aos direitos fundamentais das partes.

Responsabilidade objetiva

Responsabilidade objetiva por danos: o artigo 302 do CPC estabelece a responsabilidade objetiva (responsabilidade que independe de culpa) da parte que obtém a tutela de urgência pelos danos que causar à parte contrária, caso a decisão final lhe seja desfavorável, caso obtida a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do réu no prazo de 5 dias, caso a eficácia da medida cautelar ou antecipatória cessar em qualquer caso previsto em lei, ou caso o juiz reconheça a decadência ou a prescrição do direito do autor. Vale ressaltar ainda sobre este tema que a liquidação da indenização, sempre que viável e eficiente, ocorrerá preferencialmente no mesmo processo judicial em que a medida liminar ou a tutela antecipada foi originalmente concedida.

Estabilização da tutela antecipada

O artigo 304 do CPC prevê a possibilidade de estabilização da tutela antecipada, ou seja, a sua transformação em decisão definitiva, sem a necessidade de confirmação por sentença. Isso ocorre quando a parte ré não interpõe recurso contra a decisão que concedeu a tutela antecipada, no prazo legal.

Natureza jurídica: a estabilização da tutela antecipada não implica coisa julgada material, ou seja, não impede que a questão seja rediscutida em outro processo. No entanto, ela gera uma presunção de veracidade dos fatos alegados pela parte autora, que pode ser ilidida por prova em contrário.

Ação revisional: a parte ré pode propor, em até 2 anos, uma ação revisional, para modificar ou revogar a tutela antecipada estabilizada. Conforme o §5º do artigo 304 em questão: “O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, previsto no § 2º deste artigo, extingue-se após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo […]”.

A tutela de urgência antecedente

Existe também a tutela de urgência antecedente, que representa um mecanismo processual estratégico e de caráter excepcional, acionado antes da instauração formal de um processo judicial. Seu objetivo precípuo é salvaguardar um direito que se encontra em iminente risco ou sob ameaça de dano irreparável ou de difícil reparação para a parte interessada. Em essência, busca-se uma intervenção judicial célere, de natureza provisória, que assegure a efetividade de um direito fundamental antes que este seja irremediavelmente comprometido pela morosidade inerente aos trâmites processuais ordinários. Essa ferramenta é importante em situações onde a demora na análise e decisão judicial poderia tornar ineficaz a proteção do direito pleiteado.

O CPC, nos artigos 303 a 310, disciplina as modalidades de tutela de urgência antecedente, estabelecendo requisitos, procedimentos específicos e prazos a serem observados em cada caso.

Tutela de urgência antecipada antecedente (artigos 303 e 304 do CPC): permite ao autor antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da decisão final, desde que demonstrada a probabilidade do direito (fumus boni iuris) e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora). A probabilidade do direito se refere à verossimilhança das alegações do autor, enquanto o perigo de dano se configura pela urgência na concessão da medida, sob pena de prejuízo irreparável. Exige-se, subsequentemente, a complementação da petição inicial, apresentando todos os elementos necessários à formação do convencimento do juiz, sob pena de cessação da eficácia da medida concedida. Essa complementação deve ocorrer no prazo de 15 dias, de acordo com o artigo 303, § 1º, inciso I, sob risco de revogação da tutela.

Tutela de urgência cautelar antecedente (artigos 305 a 310 do CPC): visa garantir a segurança jurídica e a integridade do direito, sem antecipar os efeitos da decisão final e antes do protocolo da petição inicial do processo de recuperação judicial. Busca-se, por meio de medidas conservativas e preventivas, evitar que o direito seja lesado ou que se tornem inviáveis a produção de provas durante o curso do processo principal. Assim como na tutela antecipida de caráter antecedente, é necessária a complementação da petição inicial, só que na tutela antecipada de caráter cautelar é concedido um prazo de 30 dias, de acordo com o artigo 308 do CPC.

Para uma melhor compreensão acerca de todos os detalhes da tutela de urgência antecedente, recomenda-se a leitura dos artigos 303 a 310 do CPC.

Tutela de urgência cautelar em caráter antecedente para suspensão de ações de execução antecipando o stay period

O stay period é um dos principais instrumentos da recuperação judicial e da recuperação extrajudicial. A decisão que defere o processamento da recuperação judicial já determina a suspensão das ações de execução contra o devedor (artigo 52, inciso III da LREF), assim como a decisão que homologa a recuperação extrajudicial, desde o pedido (artigo 163, § 8º da LREF). No entanto, em algumas situações, pode ser necessário o uso da tutela de urgência cautelar para antecipar os efeitos do stay period e assim garantir a efetividade do mesmo, pois podem ocorrer tentativas de constrição de bens por meio de ações de execução por parte de terceiros credores antes do deferimento da recuperação judicial.

“Na prática, o magistrado tem um papel de extrema importância nestes casos, já que deverá verificar se realmente a empresa, ao menos preliminarmente, demonstra encontrar-se apta e em situação de crise econômico-financeira reversível para pleitear futuramente uma recuperação judicial.

As empresas que estejam enfrentando crise econômico-financeira podem se valer da medida cautelar em caráter antecedente para garantir a proteção até que reúna todos os documentos necessários para o ajuizamento da futura ação, sem ter seu patrimônio dilapidado pelos credores sujeitos à recuperação judicial.

Entretanto, pelo princípio da boa-fé, importante alertar que as empresas que buscarem essa ferramenta com a falsa pretensão de ajuizar uma recuperação judicial, apenas para ‘ganhar tempo’, estão totalmente desconexas com o instituto recuperacional e tal cenário deverá ser devidamente apreciado pelo Poder Judiciário, tendo em vista que o declínio da empresa requerente em ajuizar um pedido de recuperação judicial após cessada a tutela pretendida não gera, ao menos de forma imediata, nenhuma consequência futura.

Antecipar os efeitos do ‘stay period’ não é só preservar a empresa em situação de crise, é permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores. É promover a preservação da sua função social e o estímulo à atividade econômica. Tudo isso, ainda que de forma preliminar.

Não se pode olvidar que, ao analisar a pretensão de uma empresa em crise econômico-financeira que busca sua reestruturação, deverá ser analisado o cenário de ponta-a-ponta, a fim de entender o panorama para tomar boas decisões.

Para tanto, deverá ser utilizada essa ferramenta, literalmente, de forma cautelosa e estratégica para que o instituto recuperacional não seja violado.”³.

Tutela de urgência para impedir a venda de ativos da empresa em geral

Em situações excepcionais, é possível o uso da tutela de urgência para impedir a venda de ativos da empresa em recuperação judicial, mesmo sem o quesito da essencialidade do bem, para que uns credores não sejam beneficiados em detrimento de outros por terem “chegado primeiro”.

Requisitos: para obter a tutela de urgência em questão, é preciso demonstrar o risco de dano irreparável ou de difícil reparação aos credores em geral, além da probabilidade do direito.

Exemplo de tutela de urgência aplicada para impedir a venda de ativos da empresa pode ser observado no caso da recuperação judicial da empresa Americanas S. A., onde inconsistências na contabilidade da empresa acarretaram em vencimentos antecipados de dívidas e risco de esvaziamento dos ativos da empresa: “O juízo acolheu o argumento de que: ‘(…) Essas inconsistências [contábeis], na avaliação das Requerentes, exigirão reajustes nos lançamentos da Companhia, o que poderá impactar nos resultados finais divulgados nos respectivos exercícios anteriores, com alteração do grau de endividamento da empresa e/ou volume de capital de giro, implicando, por via reflexa, no descumprimento de ‘covenants financeiros’ previstos em contratos, inclusive estrangeiros, acarretando o vencimento antecipado e imediato de dívidas em montante aproximado de R$ 40 bilhões. (…) Em complemento ao justificado receio da Companhia, de que os credores pudessem promover a execução administrativa destes contratos, já na data de hoje (13/01/2023), as Requerentes já noticiam constrições em suas contas correntes/investimentos, na ordem de R$ 1,2 bilhão, decorrente de compensação operada por credor financeiro, com fundamento na inconsistência dos seus lançamentos contábeis noticiada no mercado. Ante a instantaneidade dos efeitos deletérios desta situação fática, na medida em que o fato relevante foi apresentado ao mercado em 11.01.2023 e as constrições já estão sendo efetivadas na data de hoje, 13.01.2023, é plenamente justificável o deferimento da medida, com vistas evitar o exaurimento de todos os ativos da Companhia, por credores altamente qualificados, em detrimento dos demais credores, e, principalmente, da própria manutenção da atividade econômica.’

A decisão judicial determinou uma série de medidas cautelares, como (i) a suspensão da exigibilidade de obrigações; (ii) a suspensão dos efeitos de inadimplementos; (iii) a preservação de contratos; e (iv) a imediata restituição de qualquer valor que os credores tenham compensado, retido ou se apropriado.”⁵.

Liberação de bens essenciais à atividade empresarial

Durante o stay period, a empresa pode necessitar liberar bens que são essenciais à sua atividade, como máquinas, equipamentos, veículos ou estoques. Esses bens podem estar na eminência de serem apreendidos em decorrência de ações judiciais fundamentadas em alienação fiduciária ou outras garantias, o que em tese tornaria possível a expropriação desses bens não fosse a essencialidade dos mesmos.

Demonstração da essencialidade: para obter a referida proteção, a empresa deve demonstrar que os bens são indispensáveis à sua atividade e que a sua falta pode comprometer a viabilidade do plano de recuperação.

Alienação fiduciária: a jurisprudência tem admitido a possibilidade de suspensão da execução da alienação fiduciária durante o stay period, desde que comprovada a essencialidade do bem para a atividade empresarial. “[…] Segundo orientação jurisprudencial firmada por esta Corte Superior de Justiça, os credores cujos créditos não se sujeitam ao plano de recuperação, mesmo aqueles garantidos por alienação fiduciária, não podem expropriar bens essenciais à atividade empresarial, sob pena de subvertendo-se o sistema, conferir maior primazia à garantia real em detrimento do princípio da preservação da empresa. […] AgInt no AREsp n. 1.677.661/SC”⁴. Segundo ainda o mesmo julgado, tal proteção pode até extrapolar o período de 180 dias: “Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça vem flexibilizando o rigor legal para admitir a continuidade da suspensão mesmo quando ultrapassado o lapso de 180 (cento e oitenta) dias contado da concessão da recuperação, desde que inexistente conduta procrastinatória atribuível à beneficiária, a fim de assegurar o sucesso do soerguimento: (…) É que a norma suspensiva não deve ser interpretada isoladamente, mas em consonância com os objetivos preconizados no art. 47 da Lei n.11.101/2005, no sentido de concretização do princípio da função social da empresa […] Deve-se privilegiar, por conseguinte, conclusão que favoreça a preservação da fonte produtora, resguardando o desenvolvimento nacional e regional, a manutenção dos empregos dos trabalhadores e a satisfação dos créditos pendentes.”.

Quer saber mais sobre recuperação judicial e sobre o stay period? Acesse o texto “O que é recuperação judicial? O que é stay period?” e os demais textos disponíveis na Home deste site.

Legislação:

Constituição Federal de 1988

– Artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]

XXXV: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”.

Lei 11.101/2005

– Artigo 6º: “A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica:

I – suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei;

II – suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência;

III – proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência. […]

§ 4º Na recuperação judicial, as suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo perdurarão pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado do deferimento do processamento da recuperação, prorrogável por igual período, uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal. […]

§12º: “Observado o disposto no art. 300 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), o juiz poderá antecipar total ou parcialmente os efeitos do deferimento do processamento da recuperação judicial.”.

– Artigo 20-B: “Serão admitidas conciliações e mediações antecedentes ou incidentais aos processos de recuperação judicial, notadamente:

I – nas fases pré-processual e processual de disputas entre os sócios e acionistas de sociedade em dificuldade ou em recuperação judicial, bem como nos litígios que envolverem credores não sujeitos à recuperação judicial, nos termos dos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei, ou credores extraconcursais;

II – em conflitos que envolverem concessionárias ou permissionárias de serviços públicos em recuperação judicial e órgãos reguladores ou entes públicos municipais, distritais, estaduais ou federais;

III – na hipótese de haver créditos extraconcursais contra empresas em recuperação judicial durante período de vigência de estado de calamidade pública, a fim de permitir a continuidade da prestação de serviços essenciais;

IV – na hipótese de negociação de dívidas e respectivas formas de pagamento entre a empresa em dificuldade e seus credores, em caráter antecedente ao ajuizamento de pedido de recuperação judicial.

§ 1º Na hipótese prevista no inciso IV do caput deste artigo, será facultado às empresas em dificuldade que preencham os requisitos legais para requerer recuperação judicial obter tutela de urgência cautelar, nos termos do art. 305 e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), a fim de que sejam suspensas as execuções contra elas propostas pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, para tentativa de composição com seus credores, em procedimento de mediação ou conciliação já instaurado perante o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) do tribunal competente ou da câmara especializada, observados, no que couber, os arts. 16 e 17 da Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015.

§ 2º São vedadas a conciliação e a mediação sobre a natureza jurídica e a classificação de créditos, bem como sobre critérios de votação em assembleia-geral de credores.

§ 3º Se houver pedido de recuperação judicial ou extrajudicial, observados os critérios desta Lei, o período de suspensão previsto no § 1º deste artigo será deduzido do período de suspensão previsto no art. 6º desta Lei. ”.

– Artigo 51-A: “Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, poderá o juiz, quando reputar necessário, nomear profissional de sua confiança, com capacidade técnica e idoneidade, para promover a constatação exclusivamente das reais condições de funcionamento da requerente e da regularidade e da completude da documentação apresentada com a petição inicial.”.

– Artigo 52: “Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato: […] III – ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, na forma do art. 6º desta Lei, permanecendo os respectivos autos no juízo onde se processam, ressalvadas as ações previstas nos §§ 1º , 2º e 7º do art. 6º desta Lei e as relativas a créditos excetuados na forma dos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei;”.

– Artigo 189, caput: “Aplica-se, no que couber, aos procedimentos previstos nesta Lei, o disposto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), desde que não seja incompatível com os princípios desta Lei.”.

Código de Processo Civil

-Artigo 297: “O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória.

Parágrafo único. A efetivação da tutela provisória observará as normas referentes ao cumprimento provisório da sentença, no que couber. […]”.

– Artigo 300: “A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.

§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.

§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.”.

– Artigo 301: “A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito.”.

– “Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se:

I – a sentença lhe for desfavorável;

II – obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias;

III – ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal;

IV – o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor.

Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível.”.

– Artigo 303: “Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.

§ 1º Concedida a tutela antecipada a que se refere o caput deste artigo:

I – o autor deverá aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar;

II – o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação na forma do art. 334 ;

III – não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335 .

§ 2º Não realizado o aditamento a que se refere o inciso I do § 1º deste artigo, o processo será extinto sem resolução do mérito.

§ 3º O aditamento a que se refere o inciso I do § 1º deste artigo dar-se-á nos mesmos autos, sem incidência de novas custas processuais.

§ 4º Na petição inicial a que se refere o caput deste artigo, o autor terá de indicar o valor da causa, que deve levar em consideração o pedido de tutela final.

§ 5º O autor indicará na petição inicial, ainda, que pretende valer-se do benefício previsto no caput deste artigo.

§ 6º Caso entenda que não há elementos para a concessão de tutela antecipada, o órgão jurisdicional determinará a emenda da petição inicial em até 5 (cinco) dias, sob pena de ser indeferida e de o processo ser extinto sem resolução de mérito.”.

– Artigo 304: “A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303 , torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso.

§ 1º No caso previsto no caput , o processo será extinto.

§ 2º Qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput .

§ 3º A tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o § 2º.

§ 4º Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida, para instruir a petição inicial da ação a que se refere o § 2º, prevento o juízo em que a tutela antecipada foi concedida.

§ 5º O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, previsto no § 2º deste artigo, extingue-se após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, nos termos do § 1º.

§ 6º A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo.”.

– Artigo 305: “A petição inicial da ação que visa à prestação de tutela cautelar em caráter antecedente indicará a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Parágrafo único. Caso entenda que o pedido a que se refere o caput tem natureza antecipada, o juiz observará o disposto no art. 303.”.

– Artigo 306: “O réu será citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, contestar o pedido e indicar as provas que pretende produzir.”.

– Artigo 307: “Não sendo contestado o pedido, os fatos alegados pelo autor presumir-se-ão aceitos pelo réu como ocorridos, caso em que o juiz decidirá dentro de 5 (cinco) dias.

Parágrafo único. Contestado o pedido no prazo legal, observar-se-á o procedimento comum.”.

– Artigo 308: “Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais.

§ 1º O pedido principal pode ser formulado conjuntamente com o pedido de tutela cautelar.

§ 2º A causa de pedir poderá ser aditada no momento de formulação do pedido principal.

§ 3º Apresentado o pedido principal, as partes serão intimadas para a audiência de conciliação ou de mediação, na forma do art. 334 , por seus advogados ou pessoalmente, sem necessidade de nova citação do réu.

§ 4º Não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335.”.

– Artigo 309: “Cessa a eficácia da tutela concedida em caráter antecedente, se:

I – o autor não deduzir o pedido principal no prazo legal;

II – não for efetivada dentro de 30 (trinta) dias;

III – o juiz julgar improcedente o pedido principal formulado pelo autor ou extinguir o processo sem resolução de mérito.

Parágrafo único. Se por qualquer motivo cessar a eficácia da tutela cautelar, é vedado à parte renovar o pedido, salvo sob novo fundamento.”.

– Artigo 310: “O indeferimento da tutela cautelar não obsta a que a parte formule o pedido principal, nem influi no julgamento desse, salvo se o motivo do indeferimento for o reconhecimento de decadência ou de prescrição.”.

Fonte:

– Lei nº 11.101/2005: link (acesso em 18/02/2025)

– Lei nº 13.105/2015: link (acesso em 18/02/2025)

– 1. As tutelas de urgência típicas e atípicas em processos de recuperação judicial de empresas: link (acesso em 17/02/2025)

– 2. A tutela de urgência do § 1º do artigo 20-B da Lei 11.101/2005: link (acesso em 17/02/2025)

– 3. Medidas cautelares em caráter antecedente de recuperação judicial: link (acesso em 24/02/2025)

– 4. A proteção dos bens essenciais do devedor em recuperação judicial: link (acesso em 19/02/2025)

– 5. Tutela de urgência cautelar nos processos de recuperação judicial: um panorama de debates recentes a partir do caso da Americanas S.A.: link (acesso em 24/02/2024)

Este texto foi elaborado com o auxílio de inteligência artificial.

Observação: a leitura deste texto não substitui a assessoria jurídica proveniente de um advogado especialista na área.

Atualizações feitas até 24/02/2025.