Antes de uma empresa decidir entrar com um pedido de recuperação judicial (RJ), processo regulado pela Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação de Empresas e Falência, a LREF), é importante que ela adote uma série de medidas preparatórias para garantir tanto a viabilidade quanto a eficácia desse recurso. A recuperação judicial, embora seja uma ferramenta poderosa para enfrentar crises financeiras, precisa ser entendida como um instrumento emergencial e não como a primeira tentativa de solução. A seguir, são apresentados cuidados essenciais que devem ser considerados:
Análise financeira detalhada
A importância de uma escolha criteriosa: antes de mais nada, é fundamental ter a convicção de que a recuperação judicial é, de fato, a melhor solução para os desafios enfrentados, e não meramente uma tentativa de ganhar tempo ou adiar compromissos inevitáveis. Este processo exige uma análise minuciosa dos dados financeiros da empresa, considerando não apenas o fluxo de caixa e o nível de endividamento, mas também a capacidade de geração de receitas e as perspectivas futuras do negócio.
Diagnóstico profundo das finanças: um mergulho detalhado na saúde financeira da empresa deve abranger uma avaliação do patrimônio líquido, identificação das causas subjacentes da crise — sejam elas fruto de gestão ineficaz ou de condições conjunturais adversas — e uma identificação da viabilidade econômica a longo prazo da organização.
Desenvolvimento de um plano de reestruturação de negócios prévio
Estratégia de renovação e reestruturação. O desenvolvimento de um plano de reestruturação de negócios prévio funciona como um roteiro para reestabelecer a estabilidade financeira da empresa. Sugere-se que esse plano contemple:
- Renegociação de dívidas: estabelecer estratégias eficientes para a renegociação futura dos débitos, considerando a composição do passivo, as prioridades de pagamento, e as propostas de reestruturação, tais como extensão de prazos, descontos e conversões de dívidas em capital acionário.
- Optimização operacional: revisar as operações buscando medidas para aumentar a eficiência, reduzir custos e melhorar a produtividade é importante para avaliar a capacidade que a empresa tem de se recuperar. Isso pode incluir a renegociação de contratos com fornecedores e a optimização da cadeia logística.
- Captação de investimentos e financiamento: avaliar a necessidade de injeções de capital adicionais e as possibilidades de obtenção de financiamentos pós pedido de recuperação judicial, por meio do conhecido DIP Financing. Para saber mais a respeito desse instituto, acesse o texto “O que é DIP Financing? (novos financiamentos durante a RJ)” disponível neste site.
- Plano de comunicação eficaz: desenvolver um plano de comunicação claro e contínuo com os stakeholders, assegurando que credores, fornecedores, funcionários e clientes estão informados sobre cada etapa do processo, cultivando confiança e apoio.
- Formação de uma equipe especializada: montar uma equipe de implementação composta por profissionais competentes e experientes, capacitada para liderar a execução e o monitoramento das ações planejadas.
- Identificação e mitigação de riscos: realizar uma análise contínua dos riscos, desenvolvendo planos de contingência para lidar com circunstâncias imprevistas internas e externas.
Assessoria jurídica e investimento em capacitação: a colaboração com advogados especializados em recuperação judicial é indispensável para assegurar a correta condução do processo, a proteção dos interesses da empresa e o cumprimento dos prazos legais. Investir na capacitação dos gestores e das equipes envolvidas no processo também é essencial para maximizar a eficácia das estratégias implementadas. É importante contar também com consultores especializados em recuperação judicial e contadores.
O plano de recuperação judicial
O plano de recuperação judicial é o coração do processo de recuperação judicial, portanto ele deve ser elaborado com cuidado, detalhando as medidas que a empresa pretende tomar para se reerguer, como renegociação de dívidas, corte de custos, reestruturação operacional, novos investimentos, entre outros. A empresa recuperanda, se deferido o processo de recuperação judicial, terá um prazo de 60 dias para apresentar o plano da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, conforme o artigo 53, caput, da Lei 11.101/2005. Desta forma, é aconselhável que a empresa se antecipe adotando as primeiras medidas, elaborando um plano de reestruturação prévio de negócios, conforme mencionado acima, cujos dados possam ser aproveitados futuramente. É fundamental que o plano seja realista e viável, com projeções de resultados e cronogramas de execução.
Para saber mais a respeito do tema, acesse o texto “O plano de recuperação judicial” disponível neste site.
Demais cautelas e estratégias
Definir metas e objetivos: estabelecer metas e objetivos claros para a recuperação da empresa.
Entender as etapas da recuperação judicial: é fundamental que os gestores da empresa entendam como funciona o processo de recuperação judicial, desde o pedido até a aprovação e cumprimento do plano. Conhecer as etapas, os prazos e os requisitos legais é essencial para evitar erros e garantir o sucesso da recuperação.
Direitos e deveres: é importante que a empresa conheça seus direitos e deveres durante o processo de recuperação judicial, bem como os direitos dos credores. Isso inclui as regras para a votação do plano de recuperação, a suspensão das ações de cobrança (stay period), a forma de pagamento das dívidas, entre outros. Para saber mais acerca do stay period, acesse o texto “O que é recuperação judicial? O que é stay period?” disponível neste site.
Manter uma comunicação aberta com os credores: a recuperação judicial é um processo que envolve a negociação com os credores, por isso é importante manter uma comunicação aberta e transparente com eles, informando sobre a situação da empresa, o plano de recuperação e as perspectivas de futuro. A confiança dos credores é fundamental para a aprovação do plano.
Avaliar os custos do processo: a recuperação judicial envolve custos significativos, como honorários de advogados, custas judiciais, despesas com peritos, consultores e avaliadores, entre outros. É importante avaliar esses custos com antecedência para garantir que a empresa terá condições de arcar com eles.
Preservar o caixa da empresa: durante o processo de recuperação judicial, é fundamental preservar o caixa da empresa para garantir o pagamento das despesas correntes, como salários, aluguel, fornecedores, entre outros. É importante evitar gastos desnecessários e buscar formas de aumentar a receita.
Recuperação extrajudicial: verificar se a recuperação extrajudicial não é um caminho mais adequado do que a recuperação judicial. Para saber mais sobre o tema, acesse o texto “O que é recuperação extrajudicial?” disponível neste site.
Avaliação de ativos: verificar o valor dos ativos da empresa e considerar a possibilidade de vender uma parte que não comprometa o negócio principal da empresa para saldar dívidas com credores. Caso a empresa opte por vender esses bens na recuperação judicial, recomenda-se que isso conste no plano de recuperação judicial. Se a venda não estiver prevista, a empresa recuperanda pode pedir autorização judicial para vendê-los, depois de ouvido o Comitê de Credores, se houver, nos termos do artigo 66 da LREF.
Análise de riscos: considerar os riscos associados à recuperação judicial, principalmente a possibilidade de convolação em falência. Para saber mais a respeito do tema, acesse o texto “Convolação da recuperação judicial em falência” disponível neste site.
Considerar alternativas: avaliar se existem alternativas à recuperação judicial, como a já citada recuperação extrajudicial ou mesmo a venda da empresa sem alterar a situação que ela se encontra.
Documentação: reunir todos os documentos e requisitos necessários para a solicitação de recuperação judicial, nos termos do artigo 48 e 51 da LREF.
Verificar a regularidade da empresa: verificar se a empresa está em dia com suas obrigações legais e fiscais.
Ao adotar um conjunto abrangente de medidas preparatórias, uma empresa pode substancialmente aumentar suas chances de sucesso durante o processo de recuperação judicial. Este cuidado não só minimiza riscos, mas também maximiza as oportunidades de rejuvenescimento da saúde financeira, assegurando a continuidade e a estabilidade no mercado.
A continuidade operacional e a estabilidade financeira não são resultados automáticos do processo de recuperação judicial, mas podem ser alcançados e sustentados pelo cumprimento das obrigações do plano de recuperação aprovado. Monitoramento contínuo e uma atitude adaptativa frente às mudanças do ambiente empresarial são práticas essenciais que permitem à empresa reagir prontamente a novas circunstâncias.
Ao integrar estes cuidados no processo, a empresa não só mitiga riscos associados ao processo de recuperação judicial, mas também se posiciona para uma revitalização robusta e duradoura, assegurando sua continuidade no mercado e construção de uma base sólida para crescimento futuro. Assim, a recuperação judicial se transforma em uma oportunidade não apenas de superar a crise, mas de emergir fortalecida e com uma capacidade renovada para competir e prosperar.
Legislação:
Lei 11.101/2005
– Artigo 48: “Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:
I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;
II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial;
III – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo;
IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
§ 1º A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente.
§ 2º No caso de exercício de atividade rural por pessoa jurídica, admite-se a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo por meio da Escrituração Contábil Fiscal (ECF), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir a ECF, entregue tempestivamente.
§ 3º Para a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo, o cálculo do período de exercício de atividade rural por pessoa física é feito com base no Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir o LCDPR, e pela Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial, todos entregues tempestivamente.
§ 4º Para efeito do disposto no § 3º deste artigo, no que diz respeito ao período em que não for exigível a entrega do LCDPR, admitir-se-á a entrega do livro-caixa utilizado para a elaboração da DIRPF.
§ 5º Para os fins de atendimento ao disposto nos §§ 2º e 3º deste artigo, as informações contábeis relativas a receitas, a bens, a despesas, a custos e a dívidas deverão estar organizadas de acordo com a legislação e com o padrão contábil da legislação correlata vigente, bem como guardar obediência ao regime de competência e de elaboração de balanço patrimonial por contador habilitado.”.
– Artigo 51: “A petição inicial de recuperação judicial será instruída com:
I – a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira;
II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de:
a) balanço patrimonial;
b) demonstração de resultados acumulados;
c) demonstração do resultado desde o último exercício social;
d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção;
e) descrição das sociedades de grupo societário, de fato ou de direito;
III – a relação nominal completa dos credores, sujeitos ou não à recuperação judicial, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço físico e eletrônico de cada um, a natureza, conforme estabelecido nos arts. 83 e 84 desta Lei, e o valor atualizado do crédito, com a discriminação de sua origem, e o regime dos vencimentos;
IV – a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento;
V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores;
VI – a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor;
VII – os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras;
VIII – certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial;
IX – a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais e procedimentos arbitrais em que este figure como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados;
X – o relatório detalhado do passivo fiscal; e
XI – a relação de bens e direitos integrantes do ativo não circulante, incluídos aqueles não sujeitos à recuperação judicial, acompanhada dos negócios jurídicos celebrados com os credores de que trata o § 3º do art. 49 desta Lei.
§ 1º Os documentos de escrituração contábil e demais relatórios auxiliares, na forma e no suporte previstos em lei, permanecerão à disposição do juízo, do administrador judicial e, mediante autorização judicial, de qualquer interessado.
§ 2º Com relação à exigência prevista no inciso II do caput deste artigo, as microempresas e empresas de pequeno porte poderão apresentar livros e escrituração contábil simplificados nos termos da legislação específica.
§ 3º O juiz poderá determinar o depósito em cartório dos documentos a que se referem os §§ 1º e 2º deste artigo ou de cópia destes.
§ 4º Na hipótese de o ajuizamento da recuperação judicial ocorrer antes da data final de entrega do balanço correspondente ao exercício anterior, o devedor apresentará balanço prévio e juntará o balanço definitivo no prazo da lei societária aplicável.
§ 5º O valor da causa corresponderá ao montante total dos créditos sujeitos à recuperação judicial.
§ 6º Em relação ao período de que trata o § 3º do art. 48 desta Lei:
I – a exposição referida no inciso I do caput deste artigo deverá comprovar a crise de insolvência, caracterizada pela insuficiência de recursos financeiros ou patrimoniais com liquidez suficiente para saldar suas dívidas;
II – os requisitos do inciso II do caput deste artigo serão substituídos pelos documentos mencionados no § 3º do art. 48 desta Lei relativos aos últimos 2 (dois) anos.”.
– Artigo 53, caput: “O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência […]”.
– Artigo 66: “Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo não circulante, inclusive para os fins previstos no art. 67 desta Lei, salvo mediante autorização do juiz, depois de ouvido o Comitê de Credores, se houver, com exceção daqueles previamente autorizados no plano de recuperação judicial. […]”.
Fonte:
– Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005: link (acesso em 05/02/2025)
Este texto foi elaborado com o auxílio de inteligência artificial.
Observação: a leitura deste texto não substitui a assessoria jurídica proveniente de um advogado especialista na área.
Atualizações feitas até 05/02/2025.